sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

2011, Dois Extremos da Preservação

Em 2011 presenciamos dois extremos na arquitetura do centro de Maceió. Desde que o processo de remodelação da área central teve início algumas lojas adotaram o procedimento de não agredirem a quem passa pelas principais ruas da região com a poluição visual de banners com o nome e a propaganda de suas lojas. O número de lojas que aderiram a essa saudável prática ainda é pequeno, mas diante do lastimável quadro de outras épocas, esse pequeno grupo já faz grande diferença.
Quando passou a ter importância para escoamento das mercadorias que vinham do interior com destino a outros Estados e até mesmo o exterior, Jaraguá e seu ancoradouro, futuro porto, forçaram a abertura de uma trilha no meio da Vila de Maceió que ficaria conhecida como rua do comércio. Ao longo desse caminho tortuoso por onde por muito tempo carros de bois passaram levando mercadorias para aquele escoadouro, a rua atraiu moradores que a princípio construíram suas casas do jeito mais simples que a época permitia, mas que com o passar do tempo e a evolução dos costumes e da urbanização, mudaram sua forma de construir e as casas ao longo desta artéria e das demais circunvizinhas ganharam ar de fidalguia.
O telhado de beira de bica perdeu espaço para uma meia parede no alto da casa que os construtores da época chamaram de platibanda; ela escondia a cobertura da residência e por trás dessa parede um encanamento levava a água da chuva até a calçada sem que os transeuntes fossem atingidos em dias chuvosos. A casa térrea, que dialogava com a rua de barro tão próxima das sarjetas enquanto o calçamento não chegava, ganhou ares de palacete quando lhes acrescentaram mais um piso e sua fachada recebeu janelas com vidro, guarda-corpo de ferro e no alto, adornos que mais beleza e graça traziam a aquelas construções. Por um bom tempo a rua do comércio e suas paralelas e transversais viveram assim da existência e morte de moradores que ali criaram famílias numerosas e que se conheciam pelo nome.


O tempo passou e as casas de família transformaram–se em pontos comerciais. Naqueles tempos era possível saber a que ramo se destinava uma determinada loja e o nome de seu proprietário. Brasileiros ou estrangeiros o nome do dono do estabelecimento tinha tanto peso quando o de sua loja. Antônio da loja Apolo, Casa Forte de Altino Lima, Alfaiataria Puglia, do italiano Luigi Casolli entre outros. Casas comerciais que marcaram época na memória de quem viveu aquele período e que delas sabemos hoje por intermédio das publicações que sobreviveram ao tempo e o registro dos fotógrafos contratados para fazer o serviço de propaganda. Propaganda esta feita por intermédio dos jornais e das revistas que circulavam no momento.



Velhas fotografias que nos remetem ao passado e no presente procuramos identificar ou achar o lugar onde no começo do século XX, ali mesmo na velha rua do comércio, funcionou uma loja Dória, Casa Paris, Casa Londres, Casa Suissa, Bar Colombo, Café Colombo, Bar Porta do Sol, bar Porta da Chuva, Café Ponto Central entre tantos outros. Estabelecimentos que tiveram sua composição arquitetônica modificada, retalhada, rasgada para comportar estabelecimentos comerciais para o qual não foram projetados. Casas que perderam definitivamente suas identidades de residências transformadas em longos galpões que vão de uma rua a outra sepultando de vez a memória do espaço e das ruas do centro.

Procurar essas velhas construções pela numeração de origem é inútil. Sua existência ficou apenas no papel. Uma, duas, três, casas que juntas tiveram suas paredes demolidas para formar um só espaço a fim de abrigar uma loja que terá vida curta e que ninguém sabe quem é o dono.
Nessa passagem que somos obrigados a fazer pelo centro ao longo do ano flagramos com constrangimento e surpresa pedaços dessa arquitetura antiga que escapam dos elementos modernos ou que ainda não tiveram sua vez de serem escondidos pelos “donos dos estabelecimentos” do momento. É como se víssemos o bordado de uma anágua escapar por baixo de uma saia feminina numa época em que a calça é padrão. É como presenciássemos uma cavalheiro ceder seu lugar a uma senhora em um coletivo e ser rotulado de ultrapassado ou afeminado. O número de placas imensas nas fachadas das lojas do centro é tão grande que ao nos depararmos com um detalhe antigo escondido por detrás desses banners às vezes sentimos o mesmo constrangimento daquele desconhecido que observa o detalhe da anágua que escapa da saia alheia.


Estabelecimentos comerciais que agregam quatro casas antigas e as envolve com sua extensa faixa onde não basta ter o nome da loja, mas a cor para que o transeunte fique bem ciente de que ali é uma das inúmeras lojas de sapatos distribuídas pelas principais ruas da cidade.
Por trás dessas capas, semelhantes a aquelas que colocamos num sofá para escondermos o que achamos velho e ultrapassado, se esconde toda a história de uma época e a memória de alagoanos, maceioenses e pessoas de lugares tão diversos que aqui estiveram antes de nós e construíram ou deram corpo à rua e ao conjunto arquitetônico que vemos hoje escondidos pelos nomes das casas comerciais. 

Em 2011 presenciamos alterações significativas nesse sítio arquitetônico que é o Centro de Maceió. Tentativas de destruição na calada da noite foram frustradas graças à vigilância de quem quem ainda respeita o patrimônio público e a história da nossa cidade. Frustrada a tal interferência no prédio de esquina da praça Bráulio Cavalcante, mais conhecida como Montepio, o resultado foi adiantamento do processo de restauração, ainda que em parte, do antigo Hotel Lopes, belo palacete na rua Barão de Penedo.

Sobrado na esquina da rua do Comércio com rua Agerson Dantas ocupado pelas lojas Maia










 
Aos poucos o sobrado vai aparecendo por trás dos tapumes que o escondeu da população


Em dezembro presenciamos a retirada do incômodo letreiro que escondia o belo edifício ocupado por uma das inúmeras filiais das lojas Maia. O edifício passou por uma rápida remodelação interna para dar lugar ao Magazine Luiza. Nessa nova fase, abolida a logomarca da loja que escondia a fachada do sobrado, quem por ali transita pode ver os detalhes de uma arquitetura que ao invés de ser camuflada por imensos letreiros de um estabelecimento comercial deve ser preservada como registro histórico da formação arquitetônica da cidade de Maceió. O azul da nova cor escolhida nesta nova fase do prédio trouxe destaque leveza ao conjunto que teve suas portas e janelas da parte superior realçadas pelo branco; janelas que antes por algum tempo, ficou escondida do público para valorizar a logomarca da loja. 












Mas, como nem tudo são flores e esse ainda é um tema polêmico, presenciamos o atentando contra a antiga fachada de dois prédios na rua do comércio. O primeiro, no espaço antes do cruzamento da Moreira Lima, foi no passado onde funcionou a biblioteca Pública de Maceió. Pertencente a Universidade Federal de Alagoas esteve fechado por um bom tempo até que na segunda metade desse ano começou a ser reformado. Quem achava que ali voltaria a funcionar algo ligado a cultura, livraria ou até mesmo um espaço destinado a leitura, coisa que falta no centro, foi surpreendido por mais uma loja de quinquilharia que escondeu de alto a baixo os detalhes do prédio centenário.





Sobrevivente de uma série de outras construções antigas que foram abolidas da rua do Comércio, o prédio propositalmente abandonado passará por uma reforma em 2011 antes do natal

Novembro de 2011, fechado para reforma

No mesmo período, começa a ser colocada a nova máscara que vai esconder o Patrimônio Público para Exaltar com ares de Modernidade a fachada de uma loja











O mais recente, na mesma rua só que de frente ao Beco do Moeda, foi sendo coberto lentamente com toda calma e tranqüilidade que precisava. Segundo apuramos, a fiscalização da Prefeitura lá esteve para embargar a obra, mas a loja abriu suas portas lindas e radiantes para as vendas de fim de ano e até esta data funciona sem nenhuma interferência. O nome da loja até que aparece discreto, “Cia da Moda”, mas o tapume laminado que usaram para cobrir de cima a baixo a fachada do antigo prédio não passa despercebido, é algo berrante. Resta-nos a pergunta: Porque será que esses comerciantes donos de lojas têm tanto nojo de discretamente projetarem o nome de seus estabelecimentos em um prédio antigo a ponte de pagarem caro para encapar um edifício como o da Cia da Moda?
O Ano Novo ainda nos reservará grandes surpresas!

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