terça-feira, 7 de dezembro de 2010

MACEIÓ – PORTAS E JANELAS DA CIDADE


O que têm a nos dizer hoje portas e janelas cerradas e carcomidas pelo tempo, entregue ao abandono por causa da mão dupla do progresso? O que sentimos ao avistarmos antigas construções que compõe o cenário da cidade e nos deparamos com portas e janelas com bandeirolas de ferro e madeira, molduradas e caindo aos pedaços, resistindo como podem o passar do tempo à espera de dois destinos? A sorte de uma restauração que lhes trará uma nova vida ou, sua morte, definitiva, que as levará para o esquecimento eterno.
Janelas de antigas construções estão assim sentenciadas a um lento padecer causado pelo abandono e o descaso com os vestígios arquitetônicos de uma época que ficou para trás. Não há um museu de portas e janelas antigas em que poderiam ficar ali guardadas para que as gerações futuras pudessem contemplar a evolução artística de um povo através de seu passado arquitetônico. Espalhadas pela cidade a mercê do tempo e do homem, muitas ainda resistem com o passar dos anos. Esquecidas e desfiguradas, portas e janelas antigas se resumem a uma marca na parede no alto de uma loja, drogaria etc. Vítimas de horrenda cirurgia a base de tijolos contemporâneos que arrancou sua armação de madeira e tapou sem escrúpulos sua liberdade de vê o que se passa na rua, o indispensável meio de comunicação com o exterior, que em determinado momento serviu de modelo a todo um contexto social de uma época, perdeu seu valor na medida em que o tempo foi passando e novas tendências chegaram para soterrar aquilo que um dia foi regra.
No século XXI, antigas construções resistem como plantas no sertão, lutando por uma água cada vez mais escassa que permitirá a sua sobrevivência. Ameaçadas pelo avanço do “ecletismo moderno” que elimina da cidade parte de sua memória para dar lugar um novo conceito de viver, as referências do passado quando muito, devem ficar preservadas apenas na fachada de algo que um dia fez parte de um conjunto arquitetônico. Não fosse a importância e o tamanho de construções como palácios, igrejas, casas legislativas e monumentos semelhantes aos da Associação Comercial que para derrubá-los daria trabalho e chamaria a atenção da opinião pública, nenhum resquício da arquitetura antiga existiria na capital alagoana.  Maceió é um bom exemplo de cidade modelo onde concreto e vidro domina a arquitetura local. Fotografias do Centro antigo despertam saudosismo em quem as contempla e busca encontrar na arquitetura daquele lugar construções que faziam parte das imagens em preto e branco congeladas pelas lentes dos fotógrafos.

A História da raça humana é permeada por uma dicotomia constante. O homem abandona com facilidade aquilo que um dia foi de grande importância para ele por algo novo, desconhecido que não muito longe tornará a deixar para trás. Seu fascínio em absorver novas idéias e conceitos, implica em soterrar e apagar da memória o que foi parte de sua vida. Por outro lado, nos deparamos com o trabalho da arqueologia que sai à procura de tudo aquilo que um dia foi produzido pelo homem ao longo de sua existência. Cavando, remexendo nas entranhas da terra e até mesmo do mar, os arqueólogos trazem a tona o passado que foi renegado ao esquecimento.
Teriam as portas e janelas ao longo do tempo esse encontro com os arqueólogos? Seriam tão importantes a ponto de serem jogadas em um buraco para serem soterradas? Não. Dificilmente elas teriam tamanha sorte, ao contrário das cerâmicas, talheres, cachimbos, armas antigas, utensílios domésticos. Destinadas a servir como barreira entre o exterior e o privado, proteção contra as mudanças do tempo para a habitação de seus senhores, portas e janelas de construções antigas têm o fim trágico, inglorioso ante a beleza que tiveram um dia enfeitando o caminho de transeuntes dos mais diversos lugares que passaram por elas. Se falassem, poderíamos ouvi-las contar suas histórias e talvez elas fossem recicladas.
Em tempos de remodelagem do Centro, onde a paisagem de um período sofreu uma lipo aspiração, em que árvores foram ceifadas e as fachadas das lojas se modernizaram na intenção de se assemelharem as concorrentes dos grandes shoppings, resta-nos ainda encontrar nesta paisagem recauchutada pedaços desse tempo em que as construções eram verdadeiras obras de arte. Se tivermos sorte, um dia, passando pelas ruas do centro, poderemos encontrar o letreiro faraônico de uma loja sendo trocado e ali, no local onde estava, descobrimos com um certo desgosto, as bandeirolas de uma porta antiga, de ferro vazado se não estiverem tampadas por tijolos. Rua do Comércio, do Livramento, da Boa Vista e tantas outras ainda escondem um remanescente destes artefatos, mas nada garante que elas sobreviverão por mais tempo sem que o interesse estético moderno dos proprietários desses imóveis esteja em harmonia com o lucro daquilo que negociam.
As portas e janelas antigas que testemunharam os acontecimentos do passado, no presente, para nada serve a sua subsistência. Até caírem com o tempo, o descaso será o seu destino.
Maceió, 07 de Dezembro de 2010.

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